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sábado, 24 de agosto de 2013

O saber das avós.

Histórias da infância
    Você já reparou como as pessoas,principalmente os adultos,gostam de relembrar fatos da infância e contá-los a familiares e amigos?
    Leia o relato de Daniel Munduruku e veja como ele conta em detalhes uma passagem de sua vida.


     'O saber das avós'
 Às mulheres mais velha chamamos de avós.Todos são nossas avós,e temos muito respeito por elas.São pessoas especiais,experientes,bondosas.Sabem acolher como ninguém e nada passa despercebido a elas.Funcionam como "antenas" da comunidade,pois sabem ouvir a dar conselhos a todas as pessoas.
    Elas têm um carinho especial pelas crianças.Gostam de ensinar,contar histórias enquanto tecem os cestos ou confeccionam artefatos de barro.
    Lembro de um dia em que cheguei junto de minha vó enquanto ela confeccionava um cesto novo.Seus dedos ágeis teciam as talas de bambu com tanta velocidade que era difícil acompanhá-la.Quando notou minha presença,convidou-me para sentar.
   -Como vai o meu neto hoje?
   -Estou bem,minha vó.
   -Não diga que está bem quando você não está.O que aconteceu?
   -Briguei com meu melhor amigo.Não foi por querer,mas ele me chateou muito.
   -O que aconteceu para você ficar tão magoado?
   -Ele disse que eu não era corajoso como ele.
   Ao ouvir minhas palavras,minha vó levantou-se da esteira onde estava e veio ao meu encontro.Sentou-se num banquinho de toco de árvore e pediu-me para sentar no seu colo,pois queria ver se eu tinha piolhos.Obedeci.
   -O que você acha que levou seu amigo a dizer isso a seu respeito?
   -Não sei.Acho que pode ter sido por causa da menina Kaamá.
   -Ele disse isso para você na frente de Kaamá?
   -Disse,sim.Eu fiquei envergonhado e muito bravo com ele.
   -Compreendo.Apenas acho que ele não fez por mal,ou porque não gosta de você.Ele apenas viveu um momento infeliz.Você precisa procurar seu amigo e conversar com ele.
   -Não estou com vontade de conversar com ele nunca mais.
   Você está crescendo,meu neto.Já é quase um homem e precisa encarar os desafios de frente,sem correr ou se esconder deles.Precisa entender que as pessoas erram.Algumas vezes erram sem ter noção de que estão fazendo algo ruim.Os amigos às vezes cometem erros também.
   -Mas,vó,ele sabe que eu gosto de Kaamá.Por que ele foi dizer isso logo perto dela?Assim ela vai achar que eu não sirvo para ser seu namorado.
 Minha avó deve ter sorrido por sobre minha cabeça.Senti seu peito sacudir meu corpo.Era um sorriso de compreensão.Ela já devia ter ouvido tantas vezes essas conversas que pensava como a história das pessoas se repete.Afagou meus cabelos compridos com muito carinho.
   -Não há o que eu lhe diga que possa diminuir sua desconfiança.Só você poderá resolver isso junto com seu amigo e com Kaamá.Se fixer isso,nada ficará entre vocês,e aí verão que a melhor coisas é resolver o conflito que se instalou.Se não quiser fazer isso,tudo bem,mas lembre-se de que é dessa forma que demonstramos coragem.É porque coragem não é só enfrentar onças e surucucus,e bichos ferozes ou espíritos da floresta.Coragem é a gente olhar para dentro de si mesmo e ser capaz de tomar as atitudes mais adequadas para viver bem.Compreendeu,meu neto?
   -Fiz que sim com a cabeça e percebi que era hora de ir embora.No caminho topei com meu amigo.Ele me olhou desconfiado.Talves achasse que eu ia brigar com ele.Não fiz isso.Eu o abracei e fomos brincar no igarapé.







Daniel Munduruku,Catando piolhos,contando histórias.São Paulo:Brinque-Book,2006. p,37-39

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